Expondo vulnerabilidades e rompendo tabus sobre saúde mental

Com letras viscerais e arranjos íntimos, o cantor, compositor e produtor musical mexicano-brasileiro estreia disco solo retratando os altos e baixos de sua jornada de reabilitação

Expondo vulnerabilidades e rompendo tabus sobre saúde mental
Foto: Julia Mataruna | Arte: Alice Brondoni

Depois de se destacar com Francisco, el Hombre e BABY, o cantor, compositor e produtor musical mexicano-brasileiro Mateo inicia sua carreira solo com um trabalho tão intenso quanto necessário.

Seu álbum de estreia, NEURODIVERGENTE (em caixa alta mesmo), que está disponível nas plataformas de streaming pela Dorsal Lab e distribuição da Ditto, é um mergulho cru e corajoso nas dores da saúde mental, nos labirintos da adicção e nas possibilidades de afeto e reinvenção.

O disco, cantado em português e espanhol, é uma espécie de diário musical escrito dentro de clínicas de reabilitação e produzido entre recaídas e retomadas de internações.

Nas oito faixas, Mateo compartilha experiências pessoais sem filtros: surtos, tentativas de suicídio, luto e o impacto do vício na vida familiar e profissional. Tudo é dito com sinceridade, de quem não quer mais esconder nada, e com a força de quem transformou essa exposição em manifesto artístico.

“Sempre entendi a música como um instrumento de comunicação de mensagem.

Minha carreira com a Francisco, el Hombre e BABY mostra muito bem isso, trazendo sempre a necessidade de levantar reflexões atuais para a sociedade.

Já fiz a partir de um ponto de vista social, crítico, de manifesto e resistência em tempos de fascismo, quanto de amor, carinho e resiliência em tempos de pandemia.

E sempre guardei para mim essas doenças corrosivas que eu considerava ‘desnecessárias’ de serem colocadas.

Mas ao explorar e expor minha vulnerabilidade, ao admitir minhas neurodivergências e adicções, encontrei mais uma motivação de comunicação”, confessa Mateo.

“Quero quebrar o tabu de falar sobre saúde mental. Quero que pessoas que ouçam o disco ou vão no meu show cheguem em casa sabendo que abrir a vulnerabilidade é diretamente proporcional à sua força de vontade de melhora.

Pedir ajuda é normal.”

Cada faixa de NEURODIVERGENTE funciona como um capítulo visceral dessa trajetória, transformando a dor em linguagem artística.

Em “ATO FINAL”, Mateo narra a decisão de buscar reabilitação no limite entre a vida e a morte.

“É O QUE É” e “UNA VEZ MÁS”, dedicada ao irmão Sebastian e com participação de Luê, retratam surtos e overdoses com honestidade brutal, enquanto “JÁ NÃO SEI PORQUE” adota um tom sarcástico para lidar com o caos da recaída.

“LA INSANIDAD”, single lançado no dia 20 de junho, mergulha na lógica social e econômica da Cracolândia, e “ME SALVA (POR SOLO UN MINUTO)” trata da anestesia emocional provocada pela cetamina.

Em “APENAS MAIS UM TRISTE”, Mateo percebe que a sua dor não é única.

E a balada “QUERIDA”, composta ainda antes da internação, fecha o disco com uma última fagulha de esperança, mas interrompida por um tiro, símbolo do fim de um ciclo e da necessidade de não silenciar a dor.

“Estar nessa faixa com o Mateo é como comemorar uma vitória minha também.

Temos uma parceria de longa data, sempre fortalecemos o trabalho um do outro, e acompanhar de perto todo o processo pessoal e criativo dele, com suas turbulências e transformações, foi muito intenso.

É um álbum muito profundo. Muito honesto, cruamente honesto.

E eu sempre vou estar disponível para poder fazer coisas juntos, sonhos juntos. E sonhos musicais juntos”, relembra Luê.

“Eu vivi tudo isso muito de perto, e cantar aqui é também a minha forma de devolver ao mundo um pouco do que senti nesse caminho junto com ele.

É um presente que ele me deu.”

Musicalmente, o álbum preserva a urgência visceral e a entrega performática que consagraram Mateo como um dos pilares da Francisco, el Hombre, mas caminha por terrenos mais íntimos, crus e desarmados.

Se antes o artista projetava sua voz em canções de protesto coletivo, agora ele direciona a mesma intensidade para uma jornada profundamente pessoal, onde a vulnerabilidade se torna potência criativa.

As faixas transitam entre o indie latino, a canção confessionária, com elementos eletrônicos sutis, harmonias melancólicas e arranjos que oscilam entre a delicadeza e o colapso emocional, refletindo, em som, os altos e baixos do processo de reabilitação e autoconhecimento.

NEURODIVERGENTE contém uma carga muito forte dos piores momentos da minha vida, coisas que com certeza não me orgulho.

Mas o fato de não me orgulhar dessas coisas não significa que não posso me orgulhar do que faço com isso tudo, para isso vem essa obra”, explica Mateo.

“Preciso lançar esse disco, isso é por mim. Quero trabalhar o disco, isso é para além de mim.”

NEURODIVERGENTE é, antes de tudo, um gesto de urgência.

Não só para quem vive situações semelhantes, mas para toda uma sociedade que ainda se cala diante do sofrimento psíquico.

Expondo vulnerabilidades e rompendo tabus sobre saúde mental
Foto: Julia Mataruna

FAIXA A FAIXA POR MATEO

  1. ATO FINAL

Essa música é minha despedida.

Quando decidi aceitar a reabilitação, foi porque a morte já parecia o único caminho.

Eu sabia que os surtos, a depressão e o uso tinham saído do meu controle.

Passei quase dois anos me medicando em segredo, fingindo que estava tudo bem, subindo ao palco enquanto por dentro desmoronava.

“ATO FINAL” é a admissão pública de tudo que eu não conseguia mais esconder.

É sobre quase desistir da vida. E hoje eu quero acreditar que foi uma despedida daquela vida, não da minha.

2. É O QUE É

Entrei na clínica no modo “cold turkey”, sem nenhuma redução de danos.

Foi um processo brutal. O início da minha recuperação foi marcado por um laço de amizade profundo com um companheiro de quarto.

Ele me segurou nos piores dias.

Mas quando ele sumiu, eu surtei.

Passei semanas acreditando que ele tinha morrido.

Me auto mutilei, desfigurei meu rosto.

Essa música nasceu ali: no momento em que entendi que, se eu não me cuidasse, ninguém faria isso por mim.

3. UNA VEZ MÁS (part. Luê)

Tive uma overdose de cetamina em Madrid, no meio do Dia do Orgulho.

Estava limpo, me cuidando, e mesmo assim tive uma recaída: caí na rua, acordei numa ambulância.

Meus irmãos de banda saíram me procurando sem saber se eu estava vivo.

Essa faixa é para meu irmão, Sebastian, que nunca desistiu de mim, que segurou as pontas por nós dois.

Não consegui pedir pra ele cantar nessa faixa, porque reviver isso doía demais.

Luê canta e representa esse amor. A música é um pedido de perdão, mas também um agradecimento.

4. APENAS MAIS UM TRISTE

Essa é, pra mim, a música mais triste do disco.

Ela fala sobre aquele ponto da depressão em que você percebe que tudo que sente não é único, você é só mais um.

Isso dói, mas também liberta.

Porque se a tristeza é coletiva, talvez a cura também seja.

Percebi que a alegria não viria de um grande evento, mas sim dos pequenos passos.

Essa música é sobre essa virada: quando você entende que não está sozinho, mesmo sentindo que está.

5. LA INSANIDAD

Essa música nasceu de um pedido de um amigo da clínica, que vivia e vendia na Cracolândia.

Juntei as histórias dele com as minhas e de outras pessoas, e tentei descrever essa cidade nômade, autônoma, onde as coisas tem valores completamente diferente daquilo que normalmente entendemos.

A relação entre o valor de um celular, uma camiseta, uma caneta e um isqueiro pode ser até invertida, tudo tem seu valor associado à sobrevivência e ao vício.

“LA INSANIDAD” questiona até quando essa doença vai ser usada como desvalorização de bairros, para expulsar os moradores de rua à força e então gentrificar a região?

Até quando esse conceito de insanidade vai continuar matando seres humanos dessa cidade autônoma?

6. JÁ NÃO SEI PORQUE

Essa nasceu numa recaída, entre uma internação e outra.

Tinha dias que não queria mais me levar a sério e pensava “chega de reclamar, vive a vida e deixa ela acabar”.

Senti que precisava fazer alguma música mais “zoeira”.

Algo na linha do sarcasmo.

Eu acordava toda madrugada com insônia querendo beber e usar drogas.

Fiz a música inteira com verso e tudo, mas senti que só o refrão era a parte mais sarcástica que merecia entrar pro disco.

O restante da música eu deixarei para o show ao vivo.

7. ME SALVA (POR SOLO UN MINUTO)

Essa música é para a cetamina.

Eu recai após 5 meses limpo com uma droga que eu nunca tinha usado, que não me dava interesse, que não era sociável.

Até perceber que ela me permitia usar sozinho, em silêncio.

Era anestésica e me deixava num limbo onde eu não precisava sentir nada.

Foi a saída que encontrei quando até o suicídio parecia demais.

Me anestesiar se tornou um alívio. “ME SALVA” é o grito que eu dei para tentar não sumir de vez.

8. QUERIDA

Curiosamente, essa foi a primeira música que escrevi.

Antes da internação, antes de qualquer diagnóstico, só com a intuição de que algo estava errado.

É um pedido de ajuda disfarçado de canção.

No início ela terminava com um final feliz, mas eu não consegui manter isso.

Era mentira. Esse disco é triste porque é verdadeiro.

Eu queria matar essa dor com a mesma força com que quis me matar.

Então sim, ele acaba com um tiro.

Porque fui sincero até o fim.

FICHA TÉCNICA

Composição e Arranjo: Mateo Piracés Ugarte

Voz, Violão, Guitarra, Baixo, Beat (ProTools), Teclados e Percussão: Mateo Piracés Ugarte

Gravado no Estúdio Conchinha por Mateo Piracés Ugarte

Edição: Mateo Piracés Ugarte

Produção: Mateo Piracés Ugarte

Mixagem: Luan Casado

Master: Bruno Giorgi

Produção Executiva: Mateo Piracés Ugarte

Selo: Dorsal Lab

Distribuição: Ditto

Expondo vulnerabilidades e rompendo tabus sobre saúde mental
Foto: Julia Mataruna

SOBRE MATEO

Mateo nasceu no México, mas cresceu cruzando fronteiras com a família.

A música, único idioma constante entre tantos países, tornou-se seu porto seguro e caminho profissional.

Em 2013, fundou com o irmão Sebastián a banda Francisco, el Hombre, iniciando uma jornada intensa pelas estradas latino-americanas.

Com o grupo, lançou cinco álbuns — quatro produzidos por ele — e recebeu duas indicações ao Grammy Latino.

Durante a pandemia, criou com Luê o projeto BABY, com o qual tocou no Lollapalooza e lançou dois EPs e um álbum. Hiperativo, produtor musical inquieto e apaixonado pelo pop latino-americano, Mateo combina timbres sintéticos com ritmos tradicionais do continente, com forte ligação afetiva e criativa ao Pará.

Recentemente expandiu suas produções para artistas como Luê, Juliana Strassacapa e BABY, além de seguir com trabalhos autorais.

Diagnosticado com bipolaridade tipo 1, fibromialgia, depressão persistente, traços de borderline e em recuperação de adicções, é neurodivergente e defende abertamente o cuidado com a saúde mental.

Em suas palavras: “abrir a vulnerabilidade é força, não fraqueza”.

Em 2025, inicia sua carreira solo com o álbum NEURODIVERGENTE, lançado em julho.

Produzindo, compondo e dirigindo cada detalhe, promete novos lançamentos nos próximos meses: com a energia, intensidade e mensagens que sempre marcaram sua trajetória.

Linktree: https://linktr.ee/eusoumateo

SOBRE LUÊ

Luê é cantora, compositora e rabequeira nascida em Belém do Pará. Cria do Instituto Carlos Gomes e filha de Júnior Soares, do Arraial do Pavulagem, cresceu entre ensaios e manifestações culturais amazônicas, raízes que hoje se desdobram em sua sonoridade singular: o pop amazônico.

Com três álbuns lançados — A Fim de Onda (2013), Ponto de Mira (2017) e Brasileira do Norte (2023) —, Luê combina ritmos regionais com o universo da música pop global, criando um som pulsante, provocador e sensorial.

Já colaborou com nomes como Arnaldo Antunes, Tom Zé, Jards Macalé, Gaby Amarantos, Dona Onete e Luísa e os Alquimistas. Indicada ao Prêmio Multishow, levou seu show a festivais como Lollapalooza, Turá, Psica, Se Rasgum e Lambateria.

Instagram: https://www.instagram.com/luemusica/

 SOBRE DORSAL LAB

A Dorsal Lab é um ecossistema criativo dedicado à produção musical, audiovisual e cultural, estruturado em três pilares interconectados: Dorsal Prod, Dorsal Music e Casa Dorsal.

Atuando como hub de criação e realização para artistas independentes, grandes marcas e projetos institucionais, a Dorsal elabora, capta e gerencia iniciativas culturais, conectando criadores a editais, leis de incentivo e parcerias privadas com curadoria criteriosa e foco em impacto social.

Na frente musical, oferece soluções completas — da produção à distribuição, incluindo audiovisual, comunicação, booking e gestão de direitos — e conta com um catálogo robusto de mais de 300 lançamentos e 60 artistas, somando mais de 50 milhões de plays nas plataformas digitais.

Sediada no Sumaré, São Paulo, próxima à estação Vila Madalena, a Casa Dorsal é um espaço pulsante que materializa a filosofia da Dorsal: o processo também é obra.

Com quatro estúdios profissionais e áreas multifuncionais para gravações, ensaios, eventos, lives e podcasts, a casa é autossuficiente para idealizar, produzir e entregar conteúdos de forma integrada.

Fundada por João Davi, músico, produtor e diretor musical, e por Lucas Mayer, nome por trás da multipremiada DaHouse Audio (vencedora do Emmy e reconhecida como Audio Company of the Year pelo ADC e Cannes Lions), a Dorsal Lab é onde presente e futuro se encontram para criar narrativas potentes e transformadoras.

Instagram: https://www.instagram.com/dorsallab/

 DITTO MUSIC

Criada na Inglaterra pelos irmãos Lee e Matt Parsons, em 2005, a Ditto Music é uma distribuidora digital focada no mercado independente.

Nomes importantes do cenário global, como Ed Sheeran, Royal Blood, Sam Smith, Dave, Chance The Rapper, girl in red, Ca7riel & Paco Amoroso já distribuíram sua música com a empresa, em momentos diversos de suas carreiras.

A Ditto Music Brasil iniciou suas atividades em 2017.

Em oito anos de atuação, baseou suas atividades de Label Services na transparência, estratégia e atendimento humanizado, desenvolvendo carreiras de nomes como Mc Jacaré, Ana Laura Lopes, Terno Rei, Lou Garcia, Clara Valverde, Amanda Magalhães e Mariana Nolasco, além de trabalhar com artistas estabelecidos como CPM 22, Salgadinho, Edson & Hudson, Fabio Brazza, Dubdogz, Ana Cañas e Rastapé.

Site: https://dittomusic.com/pt

Music On é Semana Pop

Fonte: Catto Comunicação

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